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Ciúmes

Freud já dizia que quem afirma não ter ciúmes está mentindo.

Diante desse alguém a quem elegemos como nosso par e por quem algo sentimos, ao mesmo tempo em que um elo se desdobra, um espinho brota na carne: o medo da perda. Entretanto, é do ser humano apegar-se e desejar do outro uma correspondência absolutamente fiel às suas necessidades, na freqüência exata de nosso desejo, coisa que alguém que possua individualidade e vida própria não será capaz de nos oferecer.

Diz-se do ciúme que ele advém da insegurança. Talvez daquele medo do qual falei acima, entretanto, certamente poderemos encontrar um pensamento menos redutivo que este, sobretudo se olharmos os muitos fios de novelo que esse sintoma nos faz pressupor existirem.

O olhar do ciumento é imaginativo, supostamente perspicaz, porque não dizer, maldoso. Vê malícia em muitas ou em todas as coisas e esse é um primeiro ponto importante para podermos pensar. Em ocasiões sem número nos deparamos com ciumentos contumazes que trazem consigo o doce discurso da fidelidade e de seu valor pessoal como pessoas que respeitam o compromisso, coisa que em nenhum momento eu desejo questionar. Todavia, sabemos que o ser humano, involuntária e inconscientemente, projeta seus medos e desejos, enfim, seus conteúdos sombrios, naquele outro que está diante de si e cuja ação, por alguma razão fisgou-lhe o olhar.

Projetamos no outro a possibilidade de trair que pode ser nossa, que existe em nós. E, quando falo de traição, não restrinjo à questão da fidelidade conjugal apenas. Esse arquétipo da traição que permeia as vivências do ciúme pode ir desde a falta de lealdade a si mesmo até a hipocrisia de trair sorrindo e negando.

O ciumento sofre uma ferida que lhe consome por dentro, ainda que ele já tenha aprendido a não demonstrar, visto que em determinado grau de gravidade, se torna insuportável dar-se conta de que a vida do outro não se limita à nossa pessoa, de que o outro tem outras prioridades, gosta de outras coisas também e divide sua vida com o mundo, não a restringindo ao nosso hálito.

Ter ciúme é não lidar com a frustração de se dar conta que o outro não nos pertence e nunca nos pertencerá. É constatar que o mar de carência que despejamos sobre ele o sufoca ao invés de torná-lo feliz. Não obstante os maiores esforços, o ciumento não se saciará, por mais atenção e afeto que receba. É um saco sem fundo, um buraco negro, cuja autoestima está comprometida. Ele não ama, ele necessita.

Essa quebra de autoestima pode ter raízes na mais tenra infância. Diz-se que a criança ao nascer não se diferencia do peito de sua mãe ou dela própria. São uma coisa só e um só corpo. O ego ainda não tem consciência e o Self está se formando através da relação basal mãe-filho. O ego nato necessita de espelhamento e correspondência às suas necessidades primais de nutrição, aconchego, segurança, conforto e cuidados. Isso requer uma vigilância constante e por maior cuidado que uma mãe tenha em algum momento esse ego em desenvolvimento vai se frustrar. A criança não entende os motivos, apenas sente suas necessidades não sendo atendidas. Ela só sabe chorar. Uma ferida narcísica se instala no psiquismo se a relação entre mãe e filho não é bem sucedida, seja por excesso de cuidado, ou por excesso de negligência. Existe dificuldade em lidar com a afetividade em si e dentre essas ramificações encontramos o ciúme como essa demasia de necessidade em relação ao outro e essa insegurança em relação a si mesmo.

É provável que quase todo mundo já tenha sentido ciúmes em algum momento. Aquela sensação de que não temos do outro o olhar merecido, que seremos trocados a qualquer momento, que há sempre alguém ou algo mais interessante que nós e assim por diante. A sensação do ciumento é a de desqualificação. Os fatos que disparam essa incerteza acessam diretamente nossos complexos. Na consciência a emoção mais comum e que vem logo após a insegurança é a raiva ou o ódio. As palavras que podem brotar da boca enciumada, em geral, querem trucidar, desmerecer e magoar o outro. Isso serve para compensar internamente a sensação de que estamos numa posição de valor menor. O desejo de maltratar é um elemento para alívio daquela tensão: o outro, em sua ação ou omissão, está me informando que não sou o centro de seu universo. Mas o ciumento não tolera isso, visto que inconscientemente se acha superior, tem um narciso grande que precisa ser espelhado e reafirmado continuamente senão cairá em desapreço e dor e se destroçará.

Diante do outro, o ciumento esfria assim que percebe um olhar a mais, um movimento suspeito. Ele esfria porque não quer dar amor a quem supostamente não lhe põe em primazia; prefere punir, portanto. Ele dá amor não porque queira dar de si mesmo alguma coisa, mas porque quer receber algo de volta. Isso é mais poder do que amor. Aquela pureza afetiva e aquele pendor ao sacrifício em favor do amado facilmente cede lugar à ira e à vontade da desforra em algum nível. Muitos entram na vítima e fazem a chantagem, outros vão ao pólo oposto e brigam pela sua propriedade. Ledo engano esse de que podemos ter algo tão subjetivo quanto o sentimento dos outros por vias tão infantis, cujo efeito é exatamente o inverso. Não se briga por amor, ele deve ser espontâneo para que saibamos que ele ali existe e que existe por exercício da liberdade de sentir o que brota da alma e de nenhum outro lugar mais.

Diante do ciúme, é necessário modificar a atitude interior. Elaborar melhor a nossa noção de relação, de posse, de compromisso e de lealdade. Sobretudo, vale a pena conferir ao outro o mesmo direito de ir e vir que reclamamos para nós mesmos, até porque, principalmente o ciumento detesta ser aprisionado, haja vista que valoriza a liberdade própria, muito embora tenha medo da liberdade alheia.

Que sentimento é esse que, internamente, lhe avisa que há uma reprovação, um não merecer? A certeza que o ciúme traz não é senão a marca de que nos reprovamos pela falta de qualidade de nosso próprio amor, de um desmerecimento pelo outro, pela vida. Há ai uma auto imagem distorcida para mais ou para menos que impele ao desespero de não se ter revelado a fraqueza. O outro pode descobrir minha insuficiência a qualquer momento e, portanto, devo eu cuidar para que ele não se distraia com outras coisas que certamente são melhores que eu.

A todos nós que sentimos ciúmes cabe aprimorar a própria vida, trazendo Eros para ela, de dentro para fora. Criando vinculações de qualidade, primeiramente conosco mesmos, e com o desenvolvimento de nossos talentos e o arejamento daquelas áreas de nossa vida que estão em negligência. Cabe-nos olhar para essa sombra e trabalhar para dar-lhe expressão sadia, em outros formatos que não sejam a fome de possuir e de conter. Onde há poder o amor não pode sobreviver, ele sucumbirá, visto que é delicado esse sentimento. Quem tem Eros em sua vida, torna-se magnético e irradiante, conduz-se em acordo com seu destino e não torna as pessoas o móvel de sua realização, mas seu complemento e parte de seu processo, não seu centro. Portanto, quem entrou na vida e com ela valseia jamais será traído, visto que estará sempre em movimento rumo ao seu destino.

Enfrente seu medo, nele está sua cura. Esse caminho é aquele que levará você em direção ao seu desejo mais escondido. Descubra-o e expresse-o com sabedoria.

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