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Coação do sedutor e vantagem do traído

É impossível que o ciúme não aflore quando se deflagra uma traição, remetendo-nos aos nossos antecedentes vividos, aos nossos sofrimentos e dores, visto que vemos o objeto de nosso amor pertencente a outro. Nos vemos numa luta contra esse elemento, muitas vezes uma luta em vão. Coloca-nos na busca de provas e respostas, muito embora o ciumento queira, no fundo, provar que não tem razão naquilo em que suspeita ou sabe. Todos os comportamentos habituais são substituídos por uma fúria, um descontrole, ou a entrada numa indiferença mórbida. Perde-se a dignidade momentaneamente e a dor do isolamento dilacera a alma, tornando-a obsessiva.

O monstro do abandono nos ronda, devorador, e nos leva de volta aos lugares sombrios das dores mais agudas, que tanto desejamos evitar. A rejeição ganha um corpo gigantesco, pois não é a verificação da suspeita que fica em evidência, mas o significado de todas as coisas que foram partilhadas com aquela pessoa, que agora está em xeque. Todos os momentos mais felizes, das maiores partilhas e cumplicidades, tornam-se imagens que nos imobilizam quando estamos tomados pelo ciúme, em detrimento do amor. Entramos numa consciência da perda irrevogável daqueles momentos e esquecemos a trajetória que trilhamos juntos rumo à ruptura final.

Infelizmente, a suspeita nunca nasce do vazio e, muita embora seja possível que a traição ainda não tenha sido consumada exteriormente, a confiança primária está minada, visto que fisga as mudanças dos pequenos gestos, as particularidades aparentemente insignificantes, os olhares, os silêncios e as demoras, como também das escolham que não mais nos contemplam como outrora. Ao percebermos que perdemos o controle do outro, o seu olhar sobre nós, a relação já acabou. Mesmo que ela persista por algum tempo é por outros motivos.

O outro lado da traição, de difícil aceitação, é que esta pode ser também a projeção do próprio desejo de trair. “Isso significa que a pessoa ciumenta cultiva inconscientemente a fantasia da traição, a fim de mostrar por meio dela a sua autonomia em relação ao objeto” (CAROTENUTO, 1997, p.141). Essa reação mostra, na verdade, uma dependência e uma resistência, reforçados pelo fato de já haver sido rejeitado antes. Tememos a traição porque a desejamos inconscientemente. Quanto maior a cumplicidade neurótica de um casal, mais forte será a necessidade de controle de um sobre o outro, muitas vezes dissimulada em variadas formas de atenção e retenção. Quando uma das partes viola esse pacto o outro acaba por defrontar-se com sua fragilidade. Quem viola primeiro expõe o outro primeiro a essa doença, mas ambos a possuem sensualidade.

Uma nuance dessa questão é que o “indivíduo potencialmente ciumento se enamora justamente de quem tem necessidade, também incoercível, de pô-lo a dura prova”(ID IBID). Há aquele, nas dinâmicas de casal que assume a posição de sedutor e provocador do ciúme e da incerteza, pois esse é o seu único modo de existir, tal a sua fragilidade interior. O traidor tem a necessidade da pessoa ciumenta, a fim de conter a sua própria falta interna de reflexo e poder. É uma atuação compensatória. O desejo de trair esconde a sede de confirmações, como se a estima pessoal nunca houvesse se consolidado, manifestando sempre a necessidade de garantias no plano afetivo e erótico. Indivíduos assim são grandes provocadores de sofrimento em quem cai em sua rede. Entretanto, a vantagem psicológica do traído se estabelece numa posição masoquista com que se identifica e na possibilidade de negar sua necessidade de transgressão e sua sensualidade. Assim se tece a teia do “engano, do controle e da suspeita”. O sedutor, provavelmente, viveu construiu uma relação com o materno de iminente abandono todas as vezes em que ele se viu na oportunidade de dizer não. Essa ameaça acaba por ferir narcisicamente aquele ego, criando-lhe resistência para vínculos que lhe coloquem sob esse risco novamente. Então, eles os evitará, mesmo inconscientemente, pois essa ferida é insuportável e ainda não foi curada. Oferecerá satisfação e admiração e depois a retirará repentinamente, alimentando em si uma falsa sensação de liberdade, cujo bastidor esconde um indivíduo que não se vê com o direito de dizer não à sua “mãe”, porque depende dele psiquicamente, estando ali aprisionado. A sedutor conhece, então, somente as máscaras, posto que sua realidade seria seu passaporte para ser rejeitado e abandonado. Ele então é polido, ajustado, cortês até que obtenha satisfação psicológica de estar na posição de quem rejeita. Usa da estratégia das mentiras para poupar ao seu par a frustração e frustrá-lo em seguida com a sua retirada ou com a deflagração de suas realidades. Quando sufocado pela demanda do outro, que já lhe sente o afastamento, ansiará por liberdade, provocando os comportamentos cruéis em seu par, a fim de que se exima das responsabilidades de sua dificuldade de vinculação real, visto que não consegue ser direto em suas exigências, com o medo de ser deixado. Escolhe a farsa, pois ela lhe protege de ser visto tal qual ele ainda é, muita embora entre numa profunda dor quando a sua hipocrisia é desmascarada. Quanto mais vingativo se torna o traído, mas legitimado o sedutor se sente para poder deixar-lhe com um mínimo de culpa, seguindo adiante para perpetuar a carreira diabólica de satisfações e frustrações.

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