Todo mundo sonha, muito embora nem todos consigam recordar-se de suas experiências oníricas. Em algumas culturas os sonhos tinham tamanha importância que pessoas consideradas como dotadas de um dom ou conhecimento especial eram convocadas para interpretá-los. Em nosso tempo, não é difícil encontrar nas bancas de jornal ou nas livrarias uma variedade de livros que pretendam conter o significado das coisas com que sonhamos. Essas brochuras vendem aos montes, o que nos parece indicar que o interesse pelos sonhos nos acompanha ainda hoje seja por curiosidade ou por misticismo.
O papel dos sonhos, segundo Freud, é impedir a irrupção dos impulsos reprimidos no inconsciente, sendo a sua manifestação simbólica. Jung, por sua vez, afirma que os sonhos são mecanismos reguladores da psique humana e têm uma função de compensação. A psicologia profunda utiliza a interpretação dos sonhos como ferramenta na análise e ampliação da consciência do indivíduo acerca de si mesmo. Quando sonhamos, as cenas ali dispostas, normalmente de maneira pouco conexa, outras tantas de forma vívida e real, nos remetem a situações que vivemos no cotidiano. Sobretudo, nos falam de aspectos indesejáveis ou pouco observados de nossa personalidade, dos complexos que construímos ao longo da vida e de nossas dificuldades emocionais.
Nosso material onírico é uma porta de conexão com o mundo interno, acessível apenas naqueles momentos do sono em que os mecanismos de defesa do ego estão mais baixos, permitindo vir à tona as nossas questões. Ainda assim, esse material vem de maneira codificada e simbolizada.
Cada um de nós guarda um fio de existência marcado pelas experiências vividas e a apreensão que fizemos delas. Isso constrói relações dentro de nosso psiquismo e norteia nossa vida. Além disso, também carregamos uma herança arquetípica (padrões de comportamento típicos a todos os humanos) numa instância à qual Jung chamou de inconsciente coletivo. Por essa razão, somos únicos e a percepção do que nos circunda é tão subjetiva quanto. Sendo assim, o significado das imagens com as quais sonhamos não tem como ser padronizado em compêndios, pois, para cada pessoa, uma imagem ou símbolo pode ter significação diversa.
Assim, entendemos que os símbolos de um sonho comportam três níveis de interpretação, a saber: o primeiro deles está no nível pessoal, calcado, portanto nas associações feitas livremente pelo próprio sonhador; o segundo envolve uma visão cultural acerca daquilo que é o tema do sonho em questão e sua colocação sob o olhar coletivo; e uma terceira, que enfoca a visão arquetípica, onde podemos enxergar fragmentos de mitos, de contos de fada e de peças do folclore mundial, diluídas no contexto do material onírico. Nessa abordagem se torna possível fazer uma leitura de como está funcionando aquele psiquismo e qual está sendo o movimento da libido, os complexos, os aspectos da sombra, além de outras imagens que ali se tornam visíveis sob o olhar especializado.
Ao sonharmos, nosso inconsciente está tentando manter um diálogo conosco. Ao mesmo tempo, ele tenta também regular o nosso equilíbrio psíquico, produzindo imagens que retratam os processos que a nossa mente está elaborando. Para o leigo se torna mais difícil interpretar acertadamente os sonhos e conseguir separar as figuras que ali aparecem, dando-lhes o seu devido lugar. Muito embora muitos sonhos possam ser o fruto de estados fisiológicos, como numa indigestão, por exemplo, em geral, eles relatam a matéria com a qual estamos lidando naquele período de nossa vida.
Sem entrar no mérito da interpretação propriamente dita, poderíamos dizer que o processo de compensação através dos sonhos aborda três caminhos principais: os sonhos compensam distorções temporárias na estrutura do ego, chamando atenção para as atitudes e os processos emocionais reprimidos ou que passaram despercebidos; segundo, os sonhos podem compensar ao retratarem a maneira que estamos funcionando, sendo uma radiografia de nosso processo psíquico e do que precisa de adaptação, sobretudo quando nos distanciamos do caminho pessoalmente correto e verdadeiro; por fim, os sonhos podem surgir como uma tentativa de alterar a maneira com que respondemos a certas situações, nos propondo desafios e tarefas, cujos símbolos representam nossos complexos que devem ser trazidos à consciência e que estão interferindo em determinado âmbito de nossa vida. Sonhar é saudável e necessário para que possamos descarregar as tensões psíquicas. Mesmo que nossos sonhos não sejam interpretados eles, ainda assim, estão cumprindo o seu papel psicológico, muito embora, a sua análise traga ao indivíduo uma ampliação de consciência que dificilmente ele terá acerca de si mesmo sem esse mergulho. Aprender a manter uma dialética com o inconsciente é desejável, sendo fundamental fazer isso sem fanatismos ou cedendo a tendências místicas. Os sonhos são guias potenciais, mas o livre-arbítrio continua pertencendo ao ego.